… Há muitos anos atrás,
mais anos do que uma dezena de gerações é capaz de presenciar,
aqui nestas terras existiu uma pequena aldeia: o único refúgio dos
seres humanos que viviam nessas redondezas.
Assim como em todas as
histórias que você deve ter ouvido sobre os tempos antigos, as
pessoas ali viviam de forma simples, aproveitando sempre que possível
os benefícios dados pela natureza, trabalhando dia após dia para
sobreviver e tentando sempre seguir as vontades dos deuses, embora
elas não fossem capazes de entender por completo o que estes deuses
queriam; pensando bem, a vida deles naquela época não é muito
diferente da nossa hoje em dia, não é mesmo?
É claro que em uma
aldeia comum com pessoas comuns sempre tem de haver algo de
extraordinário. E no caso da aldeia em questão este elemento era
Charlotte.
Na verdade, havia boatos
de que esse não era realmente o seu nome; outros diziam que ela era
uma estrangeira de uma terra distante que ninguém sabia dizer qual.
Para ouvir alguma dessas teorias, ou até mesmo outras bem mais
sombrias, bastava entrar em uma taberna depois que o sol já tivesse
se posto.
“Ela é amaldiçoada.”
é o que a maioria das pessoas dizia. Os homens só ousavam falar
sobre ela entre si e somente quando tinham certeza de que todos que
ouviam eram de confiança; ou até estarem bêbados o suficiente para
esquecer que até mesmo as paredes têm ouvidos. As mulheres
mantinham sempre distância dela e sempre a olhavam com repulsa, umas
por acreditavam na “maldição”, outras por inveja, e algumas por
ambos os motivos.
A verdade é que
Charlotte era o motivo da paixão da maioria, se não todos, os
jovens rapazes (e até mesmo de alguns homens mais vividos e com
família constituída), por toda a aldeia desde sempre; ou pelo menos
desde que os moradores conseguiam se lembrar.
Charlotte era realmente
muito bela (algumas pessoas diziam que ela nunca envelhecia e que
vivera na aldeia por dezenas de anos, porém eu duvido que isso
realmente tenha acontecido), todavia possuía uma personalidade
taciturna e hábitos reclusos. Residia sozinha em um casebre, não
muito diferente das demais moradias da localidade, que se situava no
extremo da aldeia mais próximo das montanhas. Nunca lhe era exigido
esforço para conquistar o coração de um aldeão, um simples olhar
durante uma caminhada diurna era o suficiente para que no dia
seguinte, e durante as semanas que se sucediam, o pobre rapaz
esquecesse-se completamente da vida e passasse a cortejá-la como um
cão que segue sua dona onde quer que vá, e depois sentasse a porta
esperando que esta apareça.
No início Charlotte era
vista como uma bruxa ou um espírito maligno que viera a este local
remoto para seduzir os homens e desencaminhá-los do caminho dos
deuses. A Maldição surgiu quando alguns jovens rejeitados por
Charlotte começaram a suicidar-se. Não foram muitos é verdade, um
quarto de dúzia talvez, mas foi o suficiente para dar início aos
boatos. Na realidade não havia provas que a morte deles estava
diretamente ligada ao fato deles estarem “enfeitiçados” por ela,
exceto o último, que se enforcou segurando uma carta romântica
destinada a “srta. Charlotte” com um conteúdo bem sentimental e
piegas.
A real natureza e
sentimentos de Charlotte nunca foram entendidos ou descobertos. O
fato é parecia que ela gostava de conquistar os jovens, só para
depois parti-lhes o coração. Era com se o seu alimento fosse o
desespero causado àquelas pessoas, como se dependesse disso para
sobreviver; ela não tentava negar a alcunha de bruxa que lhe era
dada.
Porém está faltando
nesta história a reviravolta que leva a um fim inesperado, pois como
eu disse, esta é apenas mais uma das histórias de tempos remotos. E
neste caso este fator veio com o nome de Edgar.
Edgar era somente mais
um jovem rapaz naquele povoado. Filho de um pobre carpinteiro, logo
também era carpinteiro e também era pobre. Sempre fora visto como
um jovem estranho, não falava muito, nunca foi visto com alguma
garota local (o deixava seu pai preocupado) e sempre que lhe
perguntavam o porquê ele respondia que estava esperando encontrar
alguém especial, alguém que ele pudesse amar e que lhe retribuísse
esse amor. Assim como você já deve ter entendido, Edgar certo dia
percebeu Charlotte quando esta estava cruzando a rua principal rumo a
sua residência.
O rapaz era exatamente o
tipo de pessoa que nunca deveria cair no encanto de Charlotte, pois
era o tipo mais propício a sofrer. Todavia o destino não é piedoso
e na metade do outono Edgar já estava sentido os sintomas de uma
paixão doentia.
Uma característica
daquele jovem era a persistência, com certeza. Ninguém antes
passara dois meses perseguindo Charlotte. Alguns moradores brincavam
que o rapaz acabaria com todo o estoque de papel do povoado. Os pais
dele tentaram fazer com que o rapaz terminasse com aquela humilhação,
mas sempre que tocavam no assunto recebiam um “já tenho idade o
suficiente para saber o que fazer com a minha vida” como resposta.
No início Charlotte lia
as cartas que recebia dos aldeãos, como que esperando encontrar algo
entre as palavras. Porém, depois de algum tempo as correspondências
passaram a servir somente para alimentar a fogueira, sem nem ao menos
serem abertas, e isso aconteceu com as cartas de Edgar. A verdade é
que Charlotte estava farta de ser objeto de obsessão da maioria dos
homens da aldeia; estava cansada de todos verem nela tudo exceto o
que ela queria que alguém notasse.
Então certo dia ela
encontrou entre estas cartas uma com a palavra “ADEUS” grafada no
envelope rústico feito a mão. A curiosidade a vez abri-la e ler. Os
olhos dela começaram varrer as linhas, quando de repente um sorriso
surgiu em seu rosto e um fio de lágrima saiu de seu olho. “Então
alguém finalmente percebeu.”.
Mas o motivo da
despedida denotada no envelope só se encontrava no final da
mensagem. Edgar seria mais uma vítima da “maldição”, a quarta
pessoa a cometer suicídio por um motivo tão estúpido quanto um
amor não correspondido (se é que aquele jovem realmente já havia
amado alguém). “Obrigado por me fazer perceber que a vida não tem
sentido” dizia a última frase da carta.
Durante a tarde daquele
dia a notícia já chegara ao ouvido de todos os habitantes da
localidade. O jovem Edgar havia pulado de um precipício localizado
na trilha que levava ao topo das montanhas. Seu corpo ainda estava
lá, aos pés da montanha, esperando que alguém da família fosse
buscá-lo e o enterrasse com o máximo de dignidade possível.
Charlotte andava pelo
centro da aldeia quando descobriu que fim tivera Edgar. Todos lhe
dirigiam um olhar acusador, penso que até mesmo ela faria isso, caso
encontrasse um espelho para poder olhar para si mesma. Ela foi tomada
pela culpa de uma forma que nunca acontecera antes. Era do
conhecimento de todos que aqueles que desistiam da própria vida eram
condenados pelos deuses a uma existência de sofrimento eterno;
aquela pobre alma nunca mais conheceria o descanso e o motivo disso
era uma mulher.
Dias passaram e
Charlotte sempre se questionava se não seria possível fazer
qualquer coisa por Edgar, mas essa era uma pergunta que somente os
deuses poderiam responder. Foi então que ela teve esta ideia:
precisava conversar diretamente com os deuses, e embora provavelmente
estes não a ouviriam, ou caso ouvissem não responderiam, ela
sentia-se obrigada a tentar.
Seria necessário estar
o mais próximo deles para que estes a ouvissem, pensou ela. E que
local mais próximo dos deuses existia naquela região senão o topo
das montanhas?
Charlotte esperou até
anoitecer e todas as pessoas saírem das ruas, já estava cansada de
pessoas se intrometendo em sua vida. A trilha não era difícil e
também aquela não era a primeira vez que Charlotte subira aquele
caminho. No topo da montanha mais alta havia um terreno praticamente
plano com a dimensão de umas cinco casas.
O vento soprava frio, a
Lua surgia num canto do céu, mas tão pequena que mais parecia um
filete de luz em forma de “C”. Lá de cima olhar para o povoado
revelava a sua pequenez, imaginar as pessoas lá embaixo demostrava o
nosso tamanho perante o universo.
Charlotte fitou o
firmamento e implorou pela atenção de pelo menos um dos deuses. Ela
pedia pela liberdade da alma de Edgar, um ser inocente que fora
levando por culpa sua. Lágrimas vertiam de seus olhos e alcançavam
a terra.
Esta cena durou alguns
minutos, até que aparentemente um deus piedoso lhe respondeu “Sabes
que o que pedes é impossível.”. “Ouvi dizer que não existe
impossível para um deus poderoso.” ela respondeu. O deus que
falara gostou da resposta daquela humana e logo outros deuses
interessaram-se pela conversa.
“E como sabes que sou
um deus poderoso?” perguntou o que falara antes. “Pois se não és
poderoso o suficiente, deixe-me falar com um que seja.” respondeu a
mulher.
“Pois bem, mortal,
posso fazer o que pedes.” disse uma segunda voz, esta certamente
demostrava mais poder, porém, notava-se um tom de sadismo nela.
“Todavia, um sacrifício de ser feito para que uma alma condenada
seja salva.”. “Está bem.” foi a resposta de Charlotte.
Provavelmente os deuses
se surpreenderam com a força daquela mortal que aceitava desistir da
própria vida para ajudar alguém que ela nem ao menos conhecia, ou
isso, ou ela era completamente louca. O deus sádico parecia
satisfeito e com pressa de cumprir com a sua parte do trato antes de
Charlotte desistir, embora, se ele pudesse ver a mente dela, saberia
que ela nem sequer pensara na ideia de não prosseguir.
Um ponto de luz surgiu
ao pé da montanha e em seguida subiu em direção ao céu até
atingiu seu local determinado e pois-se a brilhar intensamente; ele
parecia estar feliz. Charlotte ergueu seu braço direito, apontando
com o seu indicador à mais nova estrela do firmamento.
“Agora é momento de
cumprires com sua parte.” disse o deus sádico e o neste momento o
corpo de Charlotte começou a se transformar em pedra.
Após, outros
deuses, estes mais piedosos e caridosos, entristeceram ao perceber o
que acontecera a uma de suas filhas, e como se estivessem de luto, um
terrível inverno atingiu aquele local.
Os moradores da aldeia
tentaram durante certo tempo permanecerem ali, porém cada dia que se
passava os alimentos tornavam-se mais escassos e por fim todos foram
obrigados a buscarem um novo lar longe dessas terras.
Anos se passaram e, por
fim, os deuses pararam de castigar a terra. A neve que se formara
começou da derreter e a aldeia, agora destruída, começou a surgir
novamente. Porém, nós nunca mais voltamos a povoar aquele lugar.
Embora a neve tenha
desaparecido, por algum motivo o topo da montanha onde Charlotte
estava continua tomado por uma camada branca e gelada.
É este o motivo pelo
qual somente uma daquelas montanhas que vemos no horizonte é coberta
de neve. E dizem que se você subir até o cume da mais alta, lá
estará uma estátua de pedra uma mulher que a noite aponta sempre
para a mesma estrela.
Peço desculpa se a segunda metade do texto possuir muitos erros e parecer meio "cru". Ele estava aqui guardado durante um tempo e eu não consegui revisá-lo; simplesmente não me senti a vontade o suficiente para fazê-lo, e como provavelmente ele nunca seria postado se dependesse dessa revisão, coloquei-o aqui mesmo assim.
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