Certa vez me disseram que todos
necessitam de uma razão para existir, uma raison d’êntre. O meu maior problema
é que nunca a encontrei; nunca tive real motivo para viver, as coisas
simplesmente aconteciam a minha volta sem que fizesse diferença para mim, logo,
eu não intervinha no decorrer da existência — era desnecessário ao mundo.
Muitas vezes me iludi; muitas
vezes encontrei algo ou, como sempre foi mais comum, alguém por quem eu pensei
que poderia viver. Mas nunca ocorria como eu esperava, e eu sempre terminava mais
descrente na vida do que antes.
Antes de citar o fato que me
trouxe aqui, quero primeiramente dizer que sempre acreditei em deus; todavia,
nunca fui daquelas pessoas que creditam a culpa de tudo que lhes ocorre na
existência divina. Para mim o livre arbítrio existe para que possamos aprender
e nos é necessário errar para alcançar uma vida próxima à perfeição do criador;
ele não fica lá em cima nos controlando como marionetes, este não é o seu plano
para conosco. Mas não nego que muitas vezes encontrei a mim mesmo duvidando disso;
achando que, talvez, ele, ou qualquer outra existência superior a nós,
divirta-se ao nos tirar tudo que consideramos importante. O fato que relato a
seguir descreve bem o porquê desta minha forma de pensar.
***
Era o início da década passada, o
primeiro ano desta, mas não consigo precisar ao certo o mês ou o dia. Os tempos
eram de paz, ou assim o pareciam. Bem, para mim não importava muito, só o que queria
era poder viver minha vida monótona. Vivia sozinho numa área um pouco afastada
do centro da cidade. Assim como hoje, não podia me queixar quanto a minha vida
profissional — persegui o que queria e alcancei meus desejos.
Estava, como sempre, tomando uma
condução para casa. Era um ônibus pouco ventilado, lotado como sempre, e as
mais condições da estrada somente agravavam mais ainda o desconforto da viagem.
De pé, no fundo do veículo, com meus fones de ouvido e meu tocador de MP3
reproduzindo a um alto volume, mais somente para mim, alguma música antiga,
provavelmente algum rock, gênero que sempre me agradou.
Olhei ao redor, dezenas de pessoas,
todas pensando em algo — Em que seria? — Não faz diferença. Meu olhar parou ao
encontrá-la; era linda, certamente, mas havia algo mais naquela visão que me
atraía e obrigava-me a admirá-la, somente desviando o olhar vez ou outra,
quando esta fitava em minha direção, para que ela não percebesse que eu a mirava.
Em casa a única imagem que vinha
em minha mente era a dela. Essa sensação durou algum tempo, até que me ocupei
de algumas tarefas inacabadas referentes ao meu emprego. Por fim tomei banho e
fui dormir, pois já passava de meia-noite.
Dias se passaram, a rotina
continuou e eu não a vi novamente. Até que, certo dia, num final de semana, eu
entro numa loja para comprar algo que não me recordo o que era. Ela saía do
estabelecimento, acompanhada de amigas, no exato momento em que eu entrava;
mais uma vez fique somente a lhe admirar a beleza.
A terceira vez em que nos
encontramos foi numa livraria. Sempre fui fã de estórias de terror e suspense e
estava lá para ampliar um pouco mais o meu acervo pessoal. E que surpresa não
foi a minha quando a vi indecisa entre dois livros: um de H.P. Lovecraft e
outro de Edgar Allan Poe. Foi ela que primeiro falou algo.
— Com licença, você pode me
ajudar? Eu estava querendo ler algo meio sombrio, mas não sei ao certo qual
desses livros me agradaria. Eu o vi escolhendo alguns contos de terror, então,
pensei que talvez você pudesse me aconselhar algo.
Eu, gaguejando, expliquei-lhe as características
de cada autor. Ela escolheu um dos dois, mas eu estava tão nervoso que nem dei
atenção a qual deles foi. Continuamos conversando depois que saímos da loja;
descobri que tínhamos mais em comum do que a princípio eu imaginara.
Saímos mais vezes, como amigos, e
aos poucos uma terna paixão foi crescendo entre nós. Começamos a namorar algum
tempo depois e estávamos certos de que só precisávamos um do outro; nada mais. Os
meses foram passando e tornaram-se anos; três, para ser mais preciso. Caso me
perguntassem se alguma vez encontrei a felicidade, com certeza citaria este
momento.
Mas quando o destino nos dá algo,
o mais certo é que, cedo ou tarde, este nos tome algo de valor equivalente. O problema
era que a única coisa que eu possuía e que tivesse valor igual a minha
felicidade era ela.
Em abril de 2004, Sofia contraiu
uma doença incurável até mesmo para a medicina mais moderna — qual a utilidade
da ciência, se quando mais precisamos dela, esta nos abandona. — Os médicos, desacreditados,
deram-lhe certeza de apenas mais três meses de vida.
Não foi fácil para mim, ter de ver
a vida dela extinguindo-se aos poucos e, junto desta, a minha também. Ninguém conseguiria
imaginar a tristeza pela qual passei, vendo-a sobre uma cama, nos seus últimos
dias, definhando-se.
Sem sair do seu lado um só
momento, estava sempre ali para segurar-lhe a mão. Mas no dia 15 de agosto do
mesmo ano, Sofia se foi; acabara de perder minha amada.
Como fora ela a morrer e não eu, cogitei
haver algum propósito certamente — era este pensamento que me trouxe vivo até o
presente dia.
***
Após este acontecimento sinto-me
como se vivesse num porão; onde não posso ver a luz e espero pela minha morte.
Dizem algumas pessoas que ao final
deste ano acorrerá o “Fim dos Tempos”. Embora não acredite nessas crendices,
imaginei que seria uma ótima data para o minha morte — 06/09/2012 — o dia de
hoje.
Acordei cedo, o céu já estava coberto
por nuvens, prenúncio de um dia chuvoso. E realmente o foi, começou a chover
por volta das nove e ainda não parou. Ao sair de casa, não cogitei a hipótese
de levar meu guarda-chuva, pois este não seria realmente necessário.
Andei sem rumo por diversas ruas,
pessoas indo e vindo, cada uma vivendo sua vida, todas alegres por isso, e
somente eu desejando o fim da minha o mais rápido possível. A estrutura da
cidade me oprimia, sentia como se mesmo gritando com toda a potência da minha
voz, esta seria ouvida apenas por meia dúzia de seres que não me conheciam, nem
se importavam comigo ou com o que iria fazer.
Daqui do topo desta torre, vejo o
firmamento tempestuoso, raios cortando em todas as direções. Não fossem as
escuras nuvens, certamente seria visível um lindo luar, mas nem mesmo essa
possibilidade me atrai. Olho para baixo, uns vinte metros me separam do chão.
O relógio abaixo de mim badalou
sete horas há exatamente quinze minutos. Aproximo-me da borda, a chuva
acariciando minha face faz-me lembrar de alguém.
— Sofia, esta é a sua chuva. — sussurro eu, para ninguém.
E por fim caminho para aquilo que
menos queria neste mundo — uma morte solitária —, mas não há motivos para
continuar vivendo quando a vida não mostra mais sentido. E sendo este o único meio
de reencontrar minha amada novamente, abraço confiante este destino. Uma última
palavra para este mundo ao qual nunca pertenci — Adeus.
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